As memórias de infância dos irmãos Joana Anícia Estevam e João Sérvulo Estevam vão além de assistir desenho animado na TV, enquanto a mãe cozinha um assado de panela e ouve músicas de Gal Costa e Clara Nunes. Quando os dois nasceram, a mãe já trabalhava na Universidade Federal de Roraima, e não raro as lembranças são nos corredores do Bloco I do campus Paricarana.
“Eu lembro que a gente ia para a Universidade, e eu ficava lá com ela, no computador. Uma hora ou outra, a gente ia num lanchinho, comprar paçoca pra mim”, lembra João, hoje com 14 anos. “E todo mundo queria falar com a minha mãe o tempo todo. Era Josi pra lá, Josi pra cá. E, às vezes, eu falava ‘mãe!’, pra ela me dar atenção”, acrescenta Joana, de 20 anos.
Josi é como os colegas de trabalho chamam Josilane da Silva Conceição, técnica-administrativa em educação da Universidade Federal de Roraima desde 1998. Antes disso, ela foi aluna da Escola Agrícola por três anos. Depois de passar no concurso, foi secretária do Centro de Ciências Agrárias, no campus Cauamé. “Fiquei durante cinco anos no CCA. Passei no vestibular para Agronomia e cursei por dois anos, mas abandonei porque não tive tanto apoio, e o curso era diurno. Eu queria concretizar o sonho de ser mãe, e para engravidar, precisava fazer tratamento”, conta.
Ela, então, migrou do campus Cauamé para o Paricarana, trabalhando no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas, do antigo Centro de Comunicação e Letras. “Consegui engravidar e, em 2005, nasceu a Joana, que foi praticamente criada na universidade. Ela tinha até cercadinho no Bloco I. Quando começou a andar e falar, todo mundo sabia que a ‘Joana era filha da Josi’”.
Atuante em várias frentes, participando de conselhos, comissões, vestibulares e do sindicato da categoria, Josi quis voltar à graduação, dessa vez em Pedagogia, um curso noturno. “Por trabalhar na Universidade, eu me senti na obrigação de fazer um curso de nível superior. Passei no vestibular em 2009 e, no ano seguinte, engravidei do João”.
Era a vez de o sonho de Joana se tornar realidade: “Meu maior sonho era ter alguém pra dividir a vida. E, quando o João nasceu, eu percebi que existia algo muito maior do que eu, do que a minha existência”.
Josi, novamente, pausou os estudos para se dedicar à maternidade e, quando o filho estava com três anos, se divorciou. Ela voltou à graduação e dividia a atenção entre as aulas e os filhos, que frequentemente a acompanhavam em sala. “Retomei o curso, e praticamente morava na universidade. Durante o dia como servidora e à noite como aluna. Às vezes, eu não tinha com quem deixar os dois. E eu me sentia culpada, porque era o momento de eles estarem em casa, fazendo as tarefas ou descansando. E assim a gente seguiu…”.
Seguiram, juntos, até a colação de grau em 2019: “Eles fizeram questão de ir. Eu venci, e eles estavam comigo. Acho que foi importante não só para mim, mas para eles visualizarem a trajetória que percorremos”. Nesse mesmo ano, veio a decisão de sair da secretaria do Centro de Comunicação, Letras e Artes, onde trabalhou por 17 anos. Josi atuou por um ano na Secretaria dos Conselhos e, em abril de 2020, recebeu o convite para a Rádio e TV Universitária.
Os filhos cresceram, ganharam autonomia, e Josi pôde se dedicar a mais uma função – a de apresentadora do programa Tetas e Tretas, veiculado na RTV em 2023 e 2024, que debatia assuntos do universo feminino – e a mais um passo na carreira acadêmica – o Mestrado em Administração, em que analisa o programa Bem Viver, de preparação para aposentadoria de servidores da UFRR.
Também foi em 2023 que a Universidade Federal de Roraima se tornou a segunda casa de Joana, aprovada no vestibular para cursar Psicologia. “Parte de quem eu sou hoje é por causa do trabalho da minha mãe. Então, nesse processo de escolher a universidade, eu não tinha outra opção a não ser a UFRR. Hoje a UFRR também é o meu mundo, que eu compartilho com a minha mãe”, diz a acadêmica do 5o semestre, bolsista de iniciação científica e atuante no centro acadêmico. João, aluno do 9o ano do Ensino Fundamental, observa os passos da mãe e da irmã, enquanto analisa as escolhas para o futuro: “Talvez eu pense em seguir alguma coisa mais criativa”.
Olhando para trás, Josi avalia os caminhos que seguiu: “Eu procuro não romantizar a maternidade, foi cansativo, exaustivo. Hoje eu me sinto recompensada por tudo o que passei, valeu a pena. Sempre repito aquela frase clichê, de que ‘a educação liberta’. E a educação fez esse papel na minha vida, foi uma mola propulsora para o meu crescimento pessoal e profissional. Eu quero ser a pessoa que meus filhos olhem e pensem ‘nossa, eu quero seguir o exemplo da minha mãe’”, finaliza.