[Reprodução da coluna de Marcelo Viana na Folha de S. Paulo]
Creio que, para a maioria das pessoas, poucas coisas parecem mais dissonantes do que emoções e teoremas. De um lado, a arte, expressão da subjetividade humana, do outro, a matemática, reino da objetividade abstrata. Mas nós que vivemos a matemática sabemos que essas duas obras do espírito humano têm muito em comum, e vários escritores intuíram esse fato.
Em “A Fórmula Preferida do Professor“, da romancista japonesa Yoko Ogawa (1962), as relações entre os personagens são catalisadas pela matemática. O Professor, velho docente universitário, o qual um acidente privou da memória recente; a Cuidadora, que “detestava a matemática desde o banco escolar”, mas se afeiçoa ao velho mestre da disciplina; o filho dela de 10 anos, que o Professor apelida carinhosamente de Raiz, “por causa da cabeça achatada que lembrava o símbolo √ da raiz quadrada”.
O gosto por problemas matemáticos os aproxima, construindo um triângulo comovente. Ao resolver seu primeiro problema, a mãe descobre uma emoção que nenhum matemático consegue esquecer. “Senti então uma mágica que nunca experimentara na vida. Uma lufada de vento varreu o deserto devastado em que me encontrava, e uma senda virgem se abriu ante meus olhos. Soube naquele momento que recebera a bênção chamada inspiração.”
Um leitor chamou a minha atenção para “Os Sete Mensageiros“, coletânea de contos do escritor italiano Dino Buzzati (1906–1972). No conto título, o príncipe parte da capital para explorar o reino, acreditando que chegaria aos seus confins em poucas semanas. “Em vez disso, continuei a encontrar sempre novas pessoas e lugares; e em toda parte homens que falavam a minha língua, que se diziam súditos meus”, espanta-se.
Para manter a comunicação com a capital, escolheu seus sete melhores cavaleiros: eles cavalgam 60 léguas por dia, enquanto a comitiva faz apenas 40 léguas. Despacha o primeiro mensageiro, Alessandro, ao final do segundo dia, e a partir daí sempre um é enviado na primeira oportunidade. Mas Alessandro só regressa no décimo dia e, à medida que o grupo se afasta da capital, as viagens dos mensageiros se alongam cada vez mais.
Passaram-se nove anos e o quarto mensageiro, Domenico, acaba de voltar, sete anos depois de ter partido em sua quarta viagem. Traz cartas amarelecidas pelo tempo, nas quais o príncipe encontra nomes esquecidos e sentimentos que não consegue mais entender. “A capital, a minha casa, meu pai, se tornaram estranhamente remotos, quase não acredito neles”, lamenta. Domenico partirá no dia seguinte, mas será a última vez: a quinta viagem durará 36 anos e o príncipe não espera viver para revê-lo.
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